quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
Conto do Desespero
Acordei com ele de banho tomado se despedindo, estava indo estudar, estava muito animado, levantei pra lhe dar um beijo de despedida mas o sono não permitiu que meus olhos vissem seu rosto com nitidez, voltei a dormir. Acordei com a sensação de que havia dormido de mais e como ontem, prometi que amanhã acordaria mais cedo, pena que hoje seria um dia atípico bem desagradável, logo que peguei o celular, 20 chamadas não atendidas, como assim? são só 10 da manhã! todas do mesmo número, não tive tempo de divagar muito sobre o que poderia ser, ele começou a tremer avisando a vigésima primeira chamada, o tremor que começou em minhas mãos entrou pela minha pele percorreu meu corpo até a espinha e por lá ficou, atendi, era uma voz séria, perguntava se eu conhecia um rapaz e descreveu meu marido, disse seu nome, disse que sim -sou sua esposa- ela pediu que eu fosse até o hospital com urgência, como assim? como assim ir até o hospital? meu marido não está no hospital ele está estudando agora! Quando terminei a frase já havia listado em minha cabeça ao menos dez possibilidades pra ele estar naquele lugar, nenhuma incluía o mínimo de semelhança com a cruel realidade que eu estava prestes a confrontar.
O primeiro taxi que passou já tinha passageiros, o segundo virou a esquina antes de me alcançar, quanto mais tempo esperava mais eu tentava não pensar em nada, sabia que se eu ficasse pensando no assunto, até chegar lá, já teria concluído o que eu fingia não ser possível acontecer, entro no terceiro taxi, a rua está relativamente vazia mas não importa, mesmo que o motorista estivesse dirigindo a 300km por hora o tempo teria demorado a mesma eternidade torturante pra passar, a cada farol eu tentava pensar em como seria a noite de hoje, em que meu marido me contaria detalhes da aventura que teve essa manhã trazendo alguém que passou mal pro hospital, ou no nosso final de semana, que finalmente passaríamos na praia, vejo lá longe o hospital, o frio na espinha e o mal estar no estômago reaparecem, ao descer pago a corrida e nem espero o troco, vou em direção aquela porta que eu esperava ser apenas mais uma como as outras, mas aquela era especial, eu ainda não sabia.
Olá, me ligaram pedindo pra vir com urgência, a moça muda repentinamente a expressão receptiva de seu rosto por uma apreensiva e levemente assustada, o mau estar no meu estômago começa a doer, sinto a cabeça girar, não quero pensar, responde moça! -O Dr. Antônio a aguarda na sala 9- ando em direção a sala com a esperança de estar na minha cama dormindo e esperando o momento que acordaria, aquele sonho não estava mais tendo graça! Abro a porta, um doutor me aguarda de pé, me cumprimenta saudosamente e pede que eu me sente, não consigo me conter e pergunto, Dr. Porque me chamaram aqui? ele olha pra baixo, coça a testa, sua expressão não me agrada nem um pouco, ele está tenso, o que ele fará agora não será agradável pra ele, vira os olhos pra mim e rapidamente diz que hoje de manhã houve um acidente na estação do metrô, no meio da confusão do horário de pico 7 pessoas foram empurradas acidentalmente nos trilhos e meu marido era uma delas. Sinto meu corpo responder a essa informação imediatamente, estou atenta e tensa, meus instintos estão todos aflorados ao mesmo tempo, no lugar de sangue agora adrenalina pura, isso não é bom, pergunto com a maior esperança e fé que já pude sentir na vida, se a resposta me agradasse Deus teria existido pra mim naquele instante, -ele está bem?- com os extintos aflorados não preciso ouvir a resposta do Doutor suas expressões já são suficientes e antes mesmo de ouvir o fatídico -senhora seu marido...- já vejo o cenário rodar e mais nada vejo, enfim, vou acordar desse desagradabilíssimo pesadelo! Mas não foi assim, os médicos juram que do instante que apaguei ao que reabri os olhos se passaram quase cinco minutos, pra mim foi imediato! Peço para o Dr. repetir, eu devo estar enganada, ele repetiu, sim havia me enganado, estava enganada em me julgar enganada, meu marido estava como o médico disse, morto! morto e eu já sabia desde o momento que atendi aquele telefonema, a voz que me ligou não sabia disfarçar, eu estava alerta o suficiente para captar os mais singelos sinais, eu já sabia, o caminho todo pra cá tentei me enganar mas já sabia - posso vê-lo Doutor? - ele diz que em casos assim não é aconselhável, casos assim? -eu preciso ve-lo, ele é meu marido! MEU MARIDO!!!- vou chamar uma enfermeira para acompanha-la - pra onde eu estava indo? não queria ir pra lá, preferia continuar negar o que ouvira pra sempre do que seguir a enfermeira até a outra porta, essa mais distante que a primeira mas juro, posso lembrar de detalhes dela como ranhuras, cor, maçaneta, essa porta demorou uma vida toda pra se abrir, em segundos revivi anos que estavam acabando a cada passo que eu dava adiante - a senhora tem certeza que quer ver? ele morreu na hora, não está muito bem - claro que não está bem, ele está morto! ele e não eu, ele e não você...- ela puxa o lençol, não posso acreditar no que vejo, retiraram toda sua roupa, faltava-lhe metade de um braço, seu rosto estava deformado, quebrado, sujo olhei pra ele da mesma distância que havia olhado há apenas algumas horas, retribuí o beijo como deveria ter feito pela manhã, posso vê-lo com nitidez agora, mas já é tarde, acaricio sua carne gelada e inerte, ele não sente mais nada e eu estou sentindo até de mais, sei que agora ele não passa de um monte de carne, mas prefiro te-lo desse jeito do que encarar o que vem pela frente, daqui alguns minutos vão leva-lo embora e aí? como vai ser? acaricio seus cabelos pela última vez, ele não pode mais sentir, e eu sentindo que não quero mais, sua cabeça está deformada, penso se ele sentiu dor, se sentiu medo, queria ter caido junto com ele, melhor, queria ter estado lá e segurado sua mão, ele ainda estaria aqui comigo, comeria o feijão que deixei de molho na geladeira para a janta de hoje, janta que não existirá mais, não ha mais sentido pra isso, a enfermeira sugere me levar pra outra sala pra que eu me acalme, agora não preciso de calma, agora não preciso de mais nada, ela não compreende? ele não vive mas ainda está aqui na minha frente, posso tocar e olhar, virar as costas pra ele é mata-lo de vez, é fechar a tampa de seu caixão com minhas próprias mãos, não posso sair, não posso cobri-lo com o lençol, sua pele já não tem mais o mesmo tom de costume, sua feição não é mais a mesma mas sua presença por mais ausente que esteja agora é o máximo que vou ter pro resto da minha vida, não me poupe disso moça, depois de agora, tenho certeza que o resto do tempo será só martírio, ficar ao lado dessa carne gelada e lembrar é o melhor momento que vou ter nos próximos anos acredite. Passam-se dez minutos, o tempo congelou, meus olhos fixos naquele que até poucas horas era meu passado meu presente e meu futuro, a moça diz que tem que guarda-lo, não resisto, caio em prantos em seus braços desconhecidos -me ajuda moça, me ajuda eu não sei mais o que fazer- ela diz pra me despedir, vai me medicar pra que eu me acalme, não tenho mais forças pra resistir, beijo pela última vez aqueles lábios que me beijaram todos os dias nos últimos dez anos, os lábios que me disseram tantas coisas lindas, que me ensinaram tantas coisas, lábios que nunca mais vão se mexer, lábios que agora não são mais, dou o último beijo, e ali mesmo desisto de resistir, não ha mais forças, tudo se apaga de novo.
Depois da pior tarde da minha vida volto pra casa para um banho, tenho muitas coisas pra resolver nas próximas horas, o médico me aconselhou a não pensar diretamente no assunto em casa, pelo menos não agora que é tão recente, Dr. ingênuo, se o senhor estivesse aqui e pelo menos soubesse, ele foi embora, e sua calça balança no varal á sua espera, seu chinelo está ao pé da cama esperando ser calçado pela manhã, sua escova de dentes está com as outras ainda úmida de hoje cedo, seus cabelos ainda estão no meu pente, sua camiseta no cesto ainda guarda o cheiro de seu suor, ainda não ouvi sua última menssagem de voz no celular, a comida da geladeira ainda da pra duas pessoas, suas gavetas ainda guardam todas suas coisas, seus lápis ainda estão jogados pela mesa como ele deixou, do bolo que estava inteiro falta uma única fatia do tamanho exato que ele escolheu comer no café da manhã, café que tomou sozinho, eu estava com muito sono e dormia, pra todo lugar que olho nessa casa vejo seus passos, suas escolhas, suas vontades, desculpe Doutor não posso seguir sua recomendação, pro peixe que já está no mar é impossivel não se molhar. Se pelo menos eu pudesse saber...teria feito ontem as linguiças que ele tanto gosta e eu nunca faço pois fazem muita sujeira, aaah se eu soubesse que seria hoje teria assitido aquele filme que deixei ele ver sozinho pois eu estava com muito sono, não teria negado a massagem que me pediu ontem antes de dormir. AAAAAH SE EU PUDESSE SABER!!!queria ouvir aquela música que ele tocava no violão, não sei de cor, nunca gravei, nunca mais vou ouvi-la, o que existe dela agora é só o sentimento que causava em mim e nada mais, tudo agora não passa de lembranças, ele agora é só um pedaço do meu passado, um pedaço que foi embora e levou toda a estrada do meu futuro junto, não posso mais viver, meu corpo não quer mais, mas meu coração teima em bater a esmo, teima em bater sozinho, ele foi embora, amanhã o verei pela última vez, na minha única vida finita ele não pode mais existir, nunca mais existirá alguém como ele, o gato ainda espera por ele em frente a porta, ela nunca mais se abrirá como antes, ele foi embora, deixou de existir, ele foi pra sempre, não pode mais sentir, e eu fiquei aqui sentindo de mais.
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Um comentário:
cara....bom não vou deixar um palavrão aki, Adorei esse conto, fiquei desesperada, pq nem percebi que não era real, senti toda a sua angustia...affe...depos reli, e vi que era um conto, puts...já aumentei uns pontos na imaginação...Bom quero q vcs estejam BEMMMM...e 2010 será Felizz..sim tenha Fé..no q? Em VC...já basta...Linda!!!Bjsss
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